Terça-feira, três e pouca da tarde, estava voltando a pé de um compromisso quando ouvi uma pessoa falando pra amiga: “ah, fulana, já esgotei tudo que tinha pra ver nesse celular”. A minha vontade era parar tudo que eu estava fazendo e trocar uma ideia para saber mais desse milagre. Como é possível esgotar todo o conteúdo do celular? Felizmente não fiz isso pois imagina que papo de maluco? A mulher iria chamar a polícia. Fora isso, eu tinha mais o que fazer.
Fiquei pensando na paz que deve ser esgotar todo o conteúdo da timeline. Olhar pro celular e pensar: “po, acabou, já é, vou arrumar outra coisa para fazer”. Pensa que delícia esse vazio. Momentos perfeitos sem uma única dose de dopamina disponível.
Não sei o que eu tô fazendo de errado mas no meu celular tem coisa demais, dá para ficar o dia todo na rolagem infinita em TODOS OS LUGARES POSSÍVEIS E IMAGINÁVEIS.
Consigo acessar o conteúdo enquanto faço aquelas necessidades. AQUELAS. Isso é até básico. Penso, inclusive que você está lendo isso justamente nesse momento.
O conteúdo me acompanha na hora de preparar as refeições, comer as refeições, limpar a casa, dobrar as roupas, andar de lá pra cá. Enfim, tarefas domésticas em que o cérebro supostamente pode se dar ao luxo de ser ocupado com mais de uma coisa ao mesmo tempo. Normalmente uso podcasts e canais do YouTube pra isso.
Tenho ouvido o conteúdo músicas para fazer atividades físicas. É que não tenho mais frequentado academia, na academia ouço a música do lugar para ir embora o mais rápido possível. Não curto muito podcasts enquanto corro ou algo do tipo pois eu não quero saber dos últimos horrores na Faixa de Gaza enquanto sofro para chegar no próximo quilômetro. Uma coisa de cada vez.
Sei de outros jeitos de usar a boca, quer dizer, outras formas interessantíssimas de consumir conteúdo.
Tem o clássico ouvir música, podcasts ou ver TV tomando banho. Não é o meu caso. Não que eu não tome banhos, mas felizmente faltam os aparelhos adequados. Apesar que música no banho é algo que existe desde os tempos do radinho de pilha, nenhuma novidade. Podcasts são possíveis se você tem coisas à prova d’água e TV é pra quem tem um banheiro com espaço para esse tipo de tecnologia. Não tenho nada disso, mas deixo meus parabéns se for seu caso.
Há também o fascinante consumo de conteúdo enquanto se consome outro conteúdo. Ver TV dando scroll no celular é o básico. Os mais fragmentados conseguem ouvir podcast com a TV ligada vendo um vídeo no TikTok. Não sei muito bem pra que tanta coisa junta, mas o importante é ter a saúde pra lá de mental.
Um efeito colateral muito interessante são as pessoas que não conseguem ficar em frente a uma tela sem mexer em outra coisa, usualmente outra tela. Se você tem a necessidade de participar de reuniões de trabalho já deve ter percebido o quanto a turminha tá sempre com o olhar perdido mexendo em outra aba. Ou a galera na sala de reunião teclando no celular ou notebook, um clássico.
Não tenho do que reclamar no conteúdo em filas de espera em geral. Sinceramente, ver outras pessoas sendo atendidas normalmente é meio tedioso e muito desinteressante. Neste ponto quero agradecer a todos os envolvidos em toda a cadeia de produção de conteúdo e lixo eletrônico.
Até onde eu sei, só é impossível ter contato com conteúdo quando estou dormindo. Antes de dormir e no segundo após acordar já não é bem assim. Por enquanto.
Não vai me espantar descobrir que algum bilionário calvo conseguiu dar um jeito de fazer as pessoas consumirem conteúdo ativamente enquanto dormem. Pensa que o capitalismo perde pelo menos umas seis horas de audiência de cada ser humano todos os dias. No fim do mês isso dá um baita gráfico, os acionistas ficariam de pau duraço vendo esses números. Quem sabe. Hoje em dia o máximo que temos é playlist pra ninar o sono do adulto e gente que esquece as coisas ligadas enquanto pega no sono. Isso também não me pega pois preciso de paz pra dormir.
É isso? Tem mais? Você ainda está assistindo ao conteúdo ou já está em situação de nudez com outrem? Por falar nisso, já ouvi dizer história de quem checa as notificações do celular enquanto transa. Por que, ó Deus, fizeste isso? Entretanto, um fetiche inodoro e inocente como esse não se discute.
O mais estranho é saber que quando a gente desliga o celular e… Opa. Espera, perdão, erro meu, ninguém desliga o celular, isso nunca aconteceu. Vou começar de novo.
O mais estranho é saber que quando a gente guarda o celular e vai fazer outra coisa, não perdemos nada. As coisas não somem, elas continuam todas lá. Vez em quando eu passo dias sem abrir essa ou aquela rede social para dar um bom reset na cabeça, quando o volto tá na mesma. Então pra que essa correria por cliques, arrastas pros lados, pra cima e pra baixo? Se eu soubesse a resposta não iria contar pra vocês de graça, ficaria rico vendendo um curso caro.
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***PS:
Um PS para deixar meu boa tarde a você e a minhas boas vindas a quem tá recebendo esta Dia Sim, Dia Não pela primeira vez. Aqui é tudo muito direto e simples, Dia Sim é quando tem post, Dia Não é quando eu não te mando nada.
***DRAUZIO VARELLA DO DIA:
E vamos com a seção dedicada ao meu influenciador favorito.
Essa semana nosso médico doutor Drauzio mudou minha vida mais uma vez. Graças a um vídeo sobre fones de ouvido estou prestes a comprar novos fones aposentando aqueles que vão dentro, lá no fundo, na boca do tímpano.
***LINKS PARA PREENCHER O VAZIO DA EXISTÊNCIA:
Chegamos a mais uma seção com links para preencer o vazio da existência com conteúdos. Numa edição em que eu tirei o dia para explanar para o excesso deles e o consumo em situações como ver TV, ouvir um podcast e rolar a timeline do TikTok tudo ao mesmo tempo. Normal. Hoje separei 10 links.
Agora no seu celular são 15h15 ou 5h55.
Uma pergunta essencial na newsletter da
“a culpa é toda da Beiçola do Onlyfans?”.Parando tudo pra isso???
Semana passada a MTV Brasil completou 10 anos de morte, se estivesse viva teria 33 anos, creio que essa millennial querida estaria tão esculhambada quanto a internet. Enfim, a
publicou curiosidades sobre esse tempo inesquecível que felizmente não volta mais: Fui VJ e sobrevivi para contar: oito lições da MTV Brasil.O
escreveu um texto maravilhoso sobre bem-te-vis.Pensamento do dia.
Outro pensamento do dia “Não treine enquanto eles durmam: treine enquanto eles treinam”, mas em um textão manero do
Caramba, isso aqui passou na televisão.
A internet brasileira já produziu dias inesquecíveis, como aquele do Chupa Cu de Goianinha, agora filme da Disney.
Termino com uma dica de saúde. Importantíssima.
***POR HOJE É SÓ
Termina aqui a Dia Sim, Dia Não 132. Tudo indica que a edição 133 chega em breve, enquanto isso, não vá embora, leia mais:
amei! confesso que sou muito apegado à tela do celular e por isso, tenho lido cada vez menos livros. mas me consolo com o fato de que tudo que a gente faz na internet é ler. (salvo quando é video. ou imagem. mas aí tem que ler as legendas, então continua sendo leitura.) logo, uma rolada na timeline é o mesmo que uma pagina de livro.
obrigado por indicar meu texto aqui. adoro esta newsletter (a sua, no caso)