Quer coisa mais fascinante do que ter uma profissão que seus amigos não sabem muito bem o que é?
Apenas vai levando.
Como é bom ver jovens sendo jovens na TV. Essa é uma fórmula inesgotável pois uma das melhores coisas da vida é ser jovem, ter pouca responsabilidade e experiência de como lidar com as aporrinhações da vida. Apenas vai levando. A ficção sempre foi e sempre será assim: Anos Incríveis, Freeks and Geeks, Malhação, Confissões de Adolescente, How I Met Your Mother, em 2023 temos Sex Education, entre outras. Vale da pré-adolescência aos 20 e poucos anos.
Talvez o auge da popularidade seja Friends, aquela com seis pessoas lindas: três caras e três moças, de classe média, descobrindo como virar adultos funcionais, porém sem grandes preocupações, num recorte onde vemos apenas seus problemas banais e comuns. Essa galera sofre por amor, têm problemas em primeiro dia de novos empregos, choram quando fazem aniversário de 30 anos, dividem o aluguel com amigos, brigam por bobagens como mania de limpeza e dividir comida, fogem de pessoas indesejadas, têm amores platônicos, compulsão por compras, se preocupam com fantasias de Halloween e festas de fim de ano, etc. Nada super sério.
Como foram 236 episódios em dez temporadas, deu tempo dos jovens virarem adultos, sempre mantendo uma vibe meio despojada e ainda sem gigantes responsabilidades. Se no começo eles estão saindo de relacionamentos desastrosos, no fim encontram suas almas gêmeas. Se eles começam dividindo apartamento entre os amigos, terminam morando sozinhos ou com seus cônjuges.
O fim da série é justamente quando quatro dos seis amigos têm filhos e dois deles resolvem se mudar para focar na criação de sua “nova família”. Vamos combinar que esse é basicamente um dos grandes divisores da vida jovem para a adulta de boa parte da humanidade. Boa parte da humanidade? Não sei se exagerei, mas tô sem tempo de pesquisar sobre.
No fim tudo sempre termina bem, por isso estamos falando de uma série-conforto de muita gente, principalmente quando se está passando por momentos difíceis. Entendo, hoje em dia Friends é um eterno “tudo bem?”, “tudo e você?”, “eu tô bem também”.
Além de tudo, Friends é norte-americana, obviamente todos falam inglês, a língua peituda metida, e tudo acontece em uma das cidades mais encantadoras do mundo. E o american way of life em sua melhor forma. A série foi ao ar entre a metade dos anos 1990 e os primeiros anos do século XXI. Nesse tempo o mundo (o ocidente vai), viveu uma fase de mais ou menos estabilização financeira. Até os fudidos da América do Sul estavam com grana sobrando para fazer aula de inglês e ter TV a cabo. E mais: tinham a possibilidade de sonhar em ter uma daquelas vidas. O zeitgeist BATEU FORTE.
Mais ou menos uma década depois do fim da série, surgiu a Netflix que usou e abusou dos clássicos da TV a cabo para virar a gostosona do pedaço. Com isso Friends ficou ainda mais famosa. Mais ou menos na mesma época as redes sociais se popularizaram e a turma começou a postar horrores sobre a série e suas aventuras.
Nem tudo é eterno, sinto que ao sair da Netflix em 2020, Friends ficou menos popular. Também pudera, ano que vem faz 20 anos que o negócio acabou. Duas décadas!!! Com tamanho distanciamento, a gente também começa a olhar para algumas imperfeições dos textos com olhar mais crítico. Muitas coisas não passariam pelo crivo do politicamente correto de 2023, e eu assino embaixo, mas eram os anos 1990/2000 e temos um retrato bem fiel daquele tempo.
Friends também alimenta algo muito popular no nosso tempo: a polarização. O “amo” ou “odeio”. Tudo que polariza vai mais longe. Um dos argumentos dos haters que mais me fascina é o fato de que a Monica vive em um apartamento no West Village sem pagar nada. Porém, na primeira temporada já ficamos sabendo que o imóvel era da avó dela. Este combinado entre os espectadores e os roteiristas melhora as coisas. Melhor do que ver jovens adultos vivendo uma vida boa é ver jovens adultos meio herdeiros vivendo essa vida.
Se você ainda não percebeu, eu gosto da série e já vi infinitas vezes. Como muita gente, sei várias falas de cor. Lembro que assistia de dois a quatro episódios por dia todas as manhãs antes de ir trabalhar. Revi algumas vezes na Netflix, antes tinha visto por meio de pirataria pois não tinha TV a cabo em casa. Em 2020, em meio a desgraça global de covid, revi pela última vez pois me lembrava um tempo menos distópico, inclusive os telefones fixos em cena ajudavam a passar essa sensação.
Foi com muita tristeza que soube da morte do Matthew Perry. Pra mim esse é mais um caso de artista que me fez ficar de luto mais ou menos como foi Rita Lee esse ano.
Chandler era um dos melhores personagens, tinha uma leitura de mundo irônica demais, obsessões tontas, expunha suas neuroses sem medo, não levantava da sua poltrona super confortável por nada, teve de lidar com um colega de quarto idiota quando seu amigo resolveu morar sozinho, se fodia porque dormia em reuniões chatíssimas, me ensinou o conceito de risada de trabalho e tinha uma profissão que ninguém sabia muito bem qual era. Quer coisa mais fascinante do que ter uma profissão que seus amigos não sabem muito bem o que é?
Eu não acompanhava a carreira do Matthew Perry. Até vi Go On, série com ele e o Chris de Todo Mundo Odeia o Chris no elenco. Não era ruim, mas também não era icônica e nem precisava ser isso. Ainda não tive tempo de ler a autobiografia lançada ano passado, talvez leia no recesso do fim do ano.
Sabemos que ele passou mais da metade da vida tentando se livrar dos próprios vícios. Artistas em geral têm a glória de representar em seus trabalhos muita coisa que faz parte da nossa humanidade, isso traz fama e dinheiro, mas as consequências não devem ser nada fáceis.
Por mais clichê que seja, a morte do ator é mais um ritual de passagem que faz Friends algo tão relacionável. Parece que o personagem que a gente conhece tão bem também morre um pouco, por mais que ele continue existindo. Repare que nos parágrafos acima, depois que eu cito a morte do Matthew eu descrevo o personagem, só em seguida menciono sobre o ator. Percebi isso revisando o texto e resolvi não alterar a ordem dos parágrafos. Isso é um pouco estranho, mas o ser humano é doido assim.
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***PS:
Não costumo escrever obituários ou coisa do tipo nessa newsletter. Quem me conhece sabe que normalmente falo sobre millennials esculhamados, TikToks por todo canto e ansiedade climática. Mas vez em quando acontece. Pensei muito sobre escrever este post ou não pois muito já se falou sobre Friends e a morte do Matthew Perry. Depois cai na real que um texto como esse só eu poderia fazer e essa newsletter é pra isso.
***O QUE FAZER NO PRÓXIMO FERIADO:
Novembro de 2023 é um mês que vai entrar para a história de todo trabalhador brasileiro. Temos três feriados: dias 2, 15 e 20. Eu costumo dizer que só quem trabalha muito sabe o valor de um feriado. Aproveito para deixar mais uma vez minha lista com humildes indicações do que você pode fazer nos seus dias de folga:
***DRAUZIO VARELLA DO DIA:
E vamos com a seção dedicada ao meu influenciador favorito.
Curiosamente o que passou do nosso médico pela minha timeline essa semana foi o vídeo “O luto faz parte da vida, mas é preciso atenção”:
***LINKS PARA PREENCHER O VAZIO DA EXISTÊNCIA:
Antes de ir embora está na hora de mais uma seção com links para preencher o vazio da existência. Um serviço prestado semanalmente por aqui. Hoje trabalhamos com 6 links.
Doideira isso hein: Como um selo criou uma tropa de artistas 'fantasmas' para bombar no streaming.
E fez um ano que estamos vivendo sob as regras do Kiko da Tesla!!! O tempo avoa.
Não vou sair de casa para não gastar muito dinheiro.
Um vídeo lindo e extremamente satisfatório numa fábrica de sorvetes argentina. Só de olhar bateu um pico gostoso de glicose.
As respostas para esse xuíte sobre Bel Pesce trazem uma vibe meio nostálgica, meio “como que pode uma coisa dessas”.
Quando precisar, ouça a palavra do Pericão.
***POR HOJE É SÓ
Termina aqui a Dia Sim, Dia Não 133. Tudo indica que a edição 134 chega em breve, enquanto isso, não vá embora, leia mais:
Como não amar Chandler Bing né? Fiquei muito triste com a morte do Matthew Perry também, mas como sempre, acho q você sintetizou bem aqui
(P.S: adoro o fato da lista de coisas pra fazer no feriado sendo recomendada todo feriado, um dia eu completo ela haha)
deu vontade de voltar a ver Friends antes do trabalho tb. fazia isso na época q tinha acabado de me formar.