No episódio Better Call Saul da série Breaking Bad aquele advogado meio atabalhoado, com aparência canastrona, já chegou ameaçado de morte. De frente para uma tumba no meio do deserto ele fala as seguintes frases: “Não fui eu. Foi o Ignacio. Foi ele. O Lalo não mandou vocês? Não foi o Lalo?”. Na época isso foi um diálogo, aparentemente, qualquer. Esse momento foi pro ar na TV em 26 de abril de 2009.
Mais de 13 anos depois, em 1 de agosto de 2022, o episódio Breaking Bad da série Better Call Saul revelou que aquelas perguntas representavam todo o universo do Saul. Não eram frases soltas. Quando uma obra é bem escrita nada fica solto. Tudo, absolutamente tudo, precisa ter um motivo para estar onde está. Vale pra qualquer coisa pois frases não são roupas que a gente muda de lugar no varal porque vai chover. Essa newsletter por exemplo tá cheia de frase solta rs.
Mas cá entre nós, o que esperar de uma série? Eu te pergunto e eu mesmo respondo: muita coisa, sempre depende. Tem série que é só para esvaziar a cabeça. Você liga aquelas, não vou dizer quais nomes para não ofender ninguém em Paris, e sai completamente vazio, oco. Excelente! Outras séries são obras de arte. Digo, obra de arte no sentido amplo.
Quando você vê a Monalisa pode tranquilamente pensar: "tá rindo de quê, senhora? Eu hein” ou pode discorrer sobre toda a história da humanidade, ir ao mais profundo de todos nós. Quando a performer Marina Abramovic senta na frente das pessoas por horas dá pra chamar de completa loucura ou de espelho do mundo. Tudo pode, dá pra escolher e se esbaldar.
Better Call Saul e Breaking Bad oferecem intriga de família, treta de um tráfico de drogas violentíssimo, polícia tonta, muitas cenas de ação, boas doses de terror psicológico, até paixões arrebatadoras. Ao mesmo tempo, é uma viagem para os mais profundos e intensos sentimentos da alma humana - aqueles que muita gente nunca vai acessar (ou vai precisar de anos de terapia se quiser mexer com isso).
Jamais imaginei que um professor de química, um estudante sem rumo e um advogado meio canastrão poderiam apresentar questões tão profundas da alma humana. É pra jogar na cara como toda pessoa é um universo inteiro.
E o que dizer da lupa bem grande que os caras colocaram nas transformações dos personagens? Se olhar assim você tem a verdadeira revolução do verbo querer. Em Breaking Bad, Walter White resolveu vender a droga mais gostosa do pedaço para deixar herança pra família. De repente, percebeu que até podia parar de trabalhar, mas não conseguia mais abandonar a nova vida cheia de aventuras. Garrou gosto pela coisa.
Em Better Call Saul, a gente descobre que tudo isso só aconteceu por causa do advogado Saul Goodman. E quando Saul foge dos tiras, é obrigado a baixar a bola mas não consegue por muito tempo. Aos poucos, o público entende que ele é o cara que agita as paradas, não vai ser passivo e viver de boinha por muito tempo. Ele nunca foi assim como Jimmy, Jimmy Sabonete, Saul e não seria como Viktor. Tem coisa que só o tempo joga na nossa cara.
Eu poderia passar horas e horas escrevendo sobre essa série - e continuar criando paralelos sobre a alma humana com pouquíssimo conhecimento de causa. Daria pra fazer uma nova newsletter inteira só pra Better Call Saul. Mas vou ficar por aqui pois tenho sorvete de chocolate com menta me esperando.
Se ficar alguma dúvida, segue anexo vídeo do Bob Odenkirk deixando bem claro do que se trata tudo isso: grandes coisas lá dentro.
***PS
Não perca esta entrevista do Jonathan Banks, ator que interpreta o Mike.
***POR HOJE É SÓ
E tá bom. Esta foi a Dia Sim, Dia Não número 64, em breve a 65 chega por aí. Enquanto isso, vamos de leia mais: