O fim da pira olímpica e o insuportável novo normal
Coisa boa a gente sempre tem de abandonar do nada, enquanto vaso ruim não quebra fácil.
Segunda é um dia horrível. A segunda-feira desta semana, também conhecida como ontem, foi um dia ainda mais horrível. Pela primeira vez em cinco anos tivemos de sentir o gosto amargo de um dia inteiro sem assistir à um esporte olímpico, torcer por alguém sem olhar a quem, sentir emoção por uma narração esportiva empolgada, nem ganhar uma medalha (o atleta que ganha, mas você entendeu).
As redes sociais ficaram completamente sem assunto. Ou pelo menos sem um assunto realmente emocionante e olimpicamente relevante. Não é por nada, mas a segunda pós-olimpíada é aquele dia que NADA faz sentido.
Eu fiquei com aquela sensação de que nem sabia mais como era a vida antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio terem começado. E olha que eu nem pude ir pra lá.
Foram 15 dias intensos assistindo televisão em horários inapropriados para o meu relógio biológico, aprendendo coisas que não sabia sobre esportes, lembrando de outras que até aprendi um dia mas nem lembrava que sabia, etc.
É muito difícil cortar esse bem pela raiz de uma hora para outra. Coisa boa a gente sempre tem de abandonar do nada, enquanto vaso ruim não quebra fácil.
Até a madrugada de sábado para domingo eu estava na frente da TV torcendo pela Bia Ferreira encher a cara da irlandesa de porrada. Eu não sabia que gostava tanto de boxe. Coisa boa sair no soco na esportiva e depois acabar tudo bem.
E ainda teve o vôlei. Algum cientista renomado precisa fazer um doutorado para explicar por que sentimos tanta tensão ao ver uma partida de vôlei (não foi erro de digitação, eu realmente disse tensão).
Cada saque é o início de uma coisa que toma nosso sistema nervoso de assalto e domina o corpo todo. Enquanto a bola não cai, a mente de todo telespectador fica completamente entregue às idas e vindas de tão emblemático objeto. É como se a gente conseguisse aqui do Brasil empurrar pro chão, com o olhar e a força do ódio, a bola na quadra lá no Japão. É um estado de empolgação e mindfulness que não tem Dalai Lama que faça igual.
Com o andamento do jogo e as mudanças do placar começa a gritaria, os movimentos, as tensões, as rezas. É um negócio inexplicável e para poucos. Não tem cardíaco que dê conta desse tipo de entretenimento super envolvente.
Nessa Olimpíada a coisa foi mais complicada ainda pois os jogos foram muito difíceis no masculino e no feminino. Então quase nunca foi 3 sets a 0 de boa. Sempre 3 a 1 pra cima. E isso tudo por volta de uma da madrugada, três da madrugada. Olha, teve um dia que eu tive certeza de que a galera perdeu um set para atrapalhar o meu sono, como explicou muito bem o Fabio Porchat nesse vídeo. No fim só teve uma medalha, mas foi cada jogo bonito que deu gosto.
Domingo de manhã ainda acordei para ver a cerimônia de encerramento. Eu nem lembrava a última vez que tinha acordado cedo num domingo. Também não sou uma pessoa interessada em burocracias de sindicatos, não tenho quase interesse nenhum em cerimônia de nada. Sou a favor de todo mundo ir logo pro bar com os amigos o mais rápido possível e pronto. Mas essa vi com gosto.
Pessoas dançando empolgadas, passos de balé dificílimos, figurino lindíssimo, tambores batendo ao som de música japonesa que não entendia nada mas deu alegria, show de luzes, surra de histórias emocionantes de muita superação e, infelizmente, os discursos chatos para animar os patrocinadores. Que show incrível!
O pior, o mais horrível, o grande desastre, foi ver a pira olímpica se apagando. Foi a pá de cal nesse curto período olímpico. Depois disso foi só vazio, chegou o insuportável novo normal. Segunda foi mais um dia horrível, tudo indica que hoje será uma terça tenebrosa. A quarta e a quinta também não prometem muita coisa. Vamos ver o que vem por aí em mais uma sexta igual. Fica só a dor de carregar nas costas o peso da existência sem nada para aliviar.
***UM PS
Inaugurando uma nova seção aqui na newsletter: o PS, do grego Post Scriptum, escrito depois. Aquela parte do texto que as pessoas que falam demais inventam pois não conseguem parar de falar.
Hoje o assunto é o sexo na vila olímpica. O que será que deu nisso? Não sei se você se lembra, mas no começo da Olimpíada rolou aquele papo furado de que as camas dos atletas seriam feitas de papelão para evitar que eles transassem. Tudo por causa da covid e tals.
Muito boa a intenção, mas muito inocente também. Os caras colocam as pessoas mais gostosas e solteiras do mundo juntas num mesmo lugar e não querem que elas transem. Mais que isso, essas pessoas são capazes de ficar de ponta cabeça, de passar muito tempo sem respirar, de correr por horas, enfim, fazer as coisas mais impossíveis que o ser humano consegue alcançar e vão me dizer que uma cama de papelão vai impedir alguém de transar? Ah, tenha dó. Parece que a organização do evento nunca foi adolescente.
Porém, o que será que rolou? Fofoca não teve, pelo menos eu não soube, então tudo indica que o que acontece na Vila Olímpica, fica na Vila Olímpica. A disciplina do atleta é algo exemplar.
***MISTÉRIO DO DIA
Na edição passada da Dia Sim, Dia Não o grande mistério foi: quantas medalhas olímpicas o Brasil já ganhou? E a resposta é 150 medalhas. São 37 de ouro, 42 de prata e 71 de bronze. Para um país que não valoriza o esporte, me parece um milagre.
Agora vamos ao mistério de hoje, inspirado no onipresente Google: Quanto pesa um elefante? A resposta você fica sabendo na próxima Dia Sim, Dia Não.
***A TARDE É LONGA
Semana passada comecei um projeto novo, o canal do Twitch A Tarde é Longa, onde minha amiga Juliana Kataoka e eu apresentamos um programa da tarde, só que de noite. Na estreia nós recebemos o Raphael Evangelista, jogamos stop, fizemos uma viagem para Veneza e falamos sobre os Jogos Olímpicos.
Nesta quarta, a partir das 21h00, nós vamos receber o Gabriel Sukita para falar dos planos para 2022.
***LINKS DA SEMANA QUE EU LI E RECOMENDO
Inaugurando mais uma seção nessa newsletter: os links de coisas que eu li e ouvi e recomendo. Diferentemente de outras edições, onde recomendei coisas que eu salvei para ler depois e não li.
Este tratado sobre o photo dump que tá rolando no Instagram é uma pira enorme e mostra como não tem mais o que inventar
Na newsletter Paulicéia da Gaia Passarelli de segunda teve uma entrevista muito legal com um guia de turismo que leva a turma para visitar aldeias indígenas e mil galerias de arte em São Paulo.
Não é texto, é áudio: neste podcast um debate muito instrutivo sobre se animais dançam, com a história de um passarinho que ama dançar músicas dos Backstreet Boys.
Outro podcast, no O Assunto de segunda teve um alerta para o futuro do Brasil nos Jogos Olimpícos, se o governo e/ou iniciativa privada não cuidarem do esporte no Brasil estamos mais lascados que nunca.
Uma reportagem do UOL que reflete sobre os engodos do Linkedin, atualmente a rede social mais tóxica da internet.
A entrevista do Gil do Vigor para a editoria de economia do Estadão ficou boa demais, destaco o seguinte trecho:
Estadão: Medidas econômicas eleitoreiras podem beneficiar o presidente na eleição de 2022 a ponto de a população esquecer o que aconteceu na pandemia? Gil do Vigor: Não, amiga, tá amarrado em nome de Jesus. Não apaga, não. São quatro anos de sofrimento, né? Resultados econômicos não são vistos da noite para o dia. Já estamos vivendo no fundo do poço.
Aproveite para ler a edição da Dia Sim, Dia Não dedicada ao Gil do Vigor.
***UM TWEET LEGAL. SÓ UM
***POR HJ BASTA
Por hoje chega, escrevi demais, estou com a mão doendo, o que se passa na minha cabeça?
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