Vira e mexe algum jornalista ou crítico musical (ou jornalista e crítico musical e DJ) se aventura a listar os maiores, os melhores, os mais fodásticos discos brasileiros de todos os tempos. Sempre tem os necessários Jorge Ben, Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Elza, Elis e tals. Show. Nunca vi nessa lista um disco singular para a história da cultura deste país: Acústico MTV Kid Abelha.
A voz de Paula Toller neste show primoroso traz toda uma gama de músicas que embala trilhas sonoras de hotéis, consultórios, bares, restaurantes e ubers ligados em rádio de MPB de todo o Brasil. Depois de ouvir canções como Lágrimas e Chuva, Fixação e Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda (com participação de “valeu, Lenine, obrigada”) gostaria de fazer algumas provocações.
Vamos começar por Nada Sei que arranca assim:
“Nada sei dessa vida.
Vivo sem saber.
Nunca soube, nada saberei.
Sigo sem saber…”
É impressionante como Paula Toller consegue cantar essas reticências da letra como ninguém. Dá pra ouvir o exato silêncio dos três pontinhos. Agora, abrir o disco com essa ode à síndrome do impostor é de uma generosidade imensa. O que assusta é o que vem em seguida:
“Que lugar me pertence.
Que eu possa abandonar.
Que lugar me contém.
Que possa me parar…”
Aí você vê como o músico tem a alma livre, ela quer se parar, quer abandonar algo que a pertence. Note o bom uso dos pronomes. Um pouco mais a frente a canção prova que eles simplesmente largaram de mão de tudo, bem na parte:
“Sou errada, sou errante.
Sempre na estrada.
Sempre distante.
Vou errando.
Enquanto o tempo me deixar”
Gente, que cara é essa??? Hei, olha aqui, joga uma água no rosto, bota um sorriso na cara, bola pra frente.
Embora a abertura seja pra deixar qualquer um preocupado com o estado de saúde da banda, a música Eu Contra a Noite é a prova de que tudo não passa de uma viagem muito especial. Espia só:
“Fiz um contrato com a noite.
O céu sorriu estrelado.
Ruas vazias de gente.
Testemunhando desejos”
Eu tenho certeza que você assinou sem ler os termos desse contrato, minha filha. Pior: NUMA RUA VAZIA? Que viela é essa que essa galera frequentava, hein? Você vê que artista tem cada uma que parece duas.
As angústias não param por aí, basta dar uma olhada nos nomes das músicas: “Lágrimas e Chuva”, “Eu Só Penso em Você”, “Como Eu Quero” e “Fixação”.
Tudo indica que se trata de uma paixonite adolescente com uma camada extra de stalkeada. Eu se fosse os responsáveis por esses adolescentes acenderia o pisca-alerta ao ouvir o refrão:
“Até daqui a pouco.
Até nunca mais
Nah Nah Nah Nunca Mais
Nah Nah Nah Nau”
É uma clara demonstração da influência do ultrarromantismo e todas as suas características mais intempestivas: melancolia, escapismo e gosto pelo mórbido.
Porém, o ponto alto do disco pra mim é a canção Maio que tem uma sorte de rimas esplêndida. A começar do começo:
“Maio já está no final.
O que somos nós, afinal”
Como assim galera? Qual maio foi esse que essa pessoa olhou pro calendário e pensou quem sou eu, quem somos nós, onde está o controle remoto? E não é só isso.
“Uo, uo, uou.
Maio já está no final.
É hora de se mover.
Pra viver mil vezes mais.
Esqueça os meses.
Esqueça os seus finais”
Parece que alguém tá desde o Natal só no come e dorme, né não? De repente recebeu aquele zap da mãe cobrando uma atitude e pra resolver tudo o jeito foi compor. Imagine que honra??? Pois eu não sei vocês, mas eu to me movendo há muito tempo, não preciso do fim de maio pra isso.
De qualquer forma, é fato que maio já está no final. Mas tem uma coisa que o Kid Abelha não tem a resposta, eu não tenho a resposta e você também não tem a resposta: o que somos nós afinal?
***OUÇA O QUICANDO
Quem me conhece sabe que eu apresento o podcast Quicando com minha amiga Juliana Kataoka. Sai toda sexta-feira lá na Deezer. Deixo um trechinho abaixo abaixo. Se liga hein.
E na próxima sexta o programa vai ser com a artista, jornalista e especialista Aline Ramos para falar de Pantanal, a nova mania da garotada.
***POR HOJE É SÓ
Chega por hoje. Normalmente temos mais seções por aqui, mas por agora é isso. Essa foi a Dia Sim, Dia Não 53. Em breve chega a 54, enquanto isso, fique com o leia mais e as edições mais recentes:
Olha, eu já gosto muito dessa newsletter, mas hoje ela está perfeita!
curtinha mas suculenta, a ds/dn de hoje está maravilhosa hoje!