Esse negócio de morte de ídolos é muito chato. A gente conta com a existência deles para sustentar a nossa vidinha besta. E não está fácil encontrar artista legal por aí. Sim, este é mais um texto sobre Rita Lee, porém só eu poderia escrever esse.
Eu nem sei por onde começar, vamos ver no que vai dar.
Tive vários CDs (sim Compact Discs coisa de gente antiga) da Rita Lee, lia as colunas dela naquele delírio chamado Revista da MTV, deu tempo de estar na plateia de alguns shows, li a biografia dela duas vezes e tô pensando em reler antes de chegar o livro novo, o último ato. Obviamente, adoro os Mutantes com ela, aquela fase psicodélica só com o Sérgio e o Loki acho um porre. Sempre ri muito dos tweets da conta @litaree_oficial, é uma pena que os tuiteiros (sempre muito conservadores) nunca estiveram preparados pras ideias da Rita Lee e tiveram de tirar o celular de perto dela. Felizmente a Laerte fez o livro Storynhas, ilustrando algumas threads. Teve esses momentos pontuais, mas o mais importante pra mim talvez seja o quanto ouvi Rita Lee em geral. Parece que entra ano e sai ano, estou sempre ouvindo nos streamings tudo, ela e Roberto conseguiram escrever, cantar e musicar as vidas de quem mora em cidade grande de um jeito muito especial. O Acústico acho impecável de ponta a ponta. Ultimamente tenho ouvido muito o Fruto Proibido, disco de 1975.
Nesses primeiros dias sem Rita Lee entre nós, muitas entrevistas antigas surgiram na timeline. Gosto muito dessa forma de luto coletivo nas redes sociais.
Uma das minhas entrevistas favoritas da Rita Lee foi com a Fernanda Young. Teve um tempo que Fernanda Young apresentou um programa de entrevistas chamado Irritando Fernanda Young. Consistia em um papo com celebridades globais falando coisas muito inteligentes com uma dose de humor e outra de loucura psicanalítica. De vez em quando revejo esse programa pois uma querida postou alguns no YouTube em péssima qualidade de som e áudio, mas o conteúdo compensa.
Um corte desse papo ronda a internet há um tempo, Rita diz que não está irritada, não tá nada. A frase clássica é “não tô indignada, não tô nada. Tô cagando e andando, sabe? Vai se fuder. (...) Eu tô de saco cheio de tudo”. Fernanda Young fez um diagnóstico incrível: "isso é péssimo, isso é pior que estar irritada". Sempre penso nisso quando começou a ficar sem sentimento algum por certas coisas. Depois que vi esse vídeo passei a usar esse “tô é nada” para algumas situações, virou quase um bordão pra mim.
Foi nesse papo que Rita revelou o desejo de virar nome de rua ou praça depois que morresse. Tem mais coisa. Em cerca de vinte minutos, ela contou que se irritava com: trabalhar a criança interior, pessoas que costumam falar a palavra galera, “gente invejosa dá dor nas costas”, roer unhas, gente xiita e as horrorosas canções infantis “Atirei o Pau no Gato-to-to, ah, vá se fuder, que isso”.
Em meio a uma série de assuntos, Fernanda pergunta se a caretice a irrita, mais especificamente: “aquela pessoa cafonérrima, nesse sentido da caretice burguesa, escrota, moralista, dizer que ‘Ovelha Negra mudou minha vida’, ‘eu sou Ovelha Negra’”.
Aí que vem, pra mim, a resposta mais mais mais de todas: “Uau, isso tem bastante, tem bastante. Mas eu fico emocionada. Fico”. Fernanda pergunta: “Fica?”. Rita responde: “Fico. Eu falo assim: é mesmo mudou sua vida? ‘Mudou, eu saí da casa dos meus pais e tudo, tava difícil’. Ahhhhh”.
Pra mim essa situação fofa que dura segundos em programa sobre se irritar mostrou muito sobre quem era Rita Lee. Combina com aqueles dois versos finais da música Saúde, de 1981: “Mas enquanto estou viva e cheia de graça. Talvez ainda faça um monte de gente feliz”.
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***PS:
Semana passada não teve nenhum Dia Sim, pois menina do céu, cheia de coisa. Voltamos ao normal.
***PS 2:
Deixo as boas-vindas a todo mundo que chegou por aqui nos últimos dias. Por aqui só tem uma regra: Dia Sim tem post, Dia Não não tem nada.
***POR HOJE É SÓ
Essa foi a Dia Sim, Dia Não 106. Logo, logo você vai receber a edição 107 por aí. Enquanto isso, leia mais, leia bastante: