Quanto menos roupa na TV, melhor pra todo mundo
Brincando com Fogo, reality show da Netflix, junta jovens solteiros estourando de tesão e usando trajes de banho numa casa de uma praia. A sociedade só ganha com isso.
Tenho a impressão de que as pessoas costumavam ficar com menos roupa na televisão. Deve ser influência das redes sociais. Alguns programas atuais preenchem esta lacuna com muita elegância. E como se faz isso? Inventando uma história.
Destaco a recém-lançada segunda temporada de Brincando com Fogo, reality show da Netflix. É um acerto na arte, eu disse arte, de manter espectadores vidrados numa aventura.
A proposta é simples. Um grupo de jovens solteiros estourando de tesão e usando trajes de banho vai para uma casa de praia. Eles passam dias à toa usando quase nenhuma roupa e podem dividir um prêmio de cem mil dólares no final. Todos perdem um punhado de dólares quando uma dupla beija ou transa.
Nudez, sexo, acreditar no próximo, dinheiro fácil e muitos conflitos num único balaio. A sociedade só ganha com isso.
Para ficar com a cara de 2021, o elenco recebe ordens de um cone chamado Lana - similar a esses cacarecos falantes vendidos por aí. Se fosse em 2001 talvez o comando do programa seria de um bichinho virtual, um Blackberry ou um robô de plástico.
No primeiro dia, os participantes chegam declarando vontade de fazer sexo com qualquer pessoa gostosa. Eles passam horas se olhando, se julgando, mas transar que é bom, nada. À noite são proibidos de beijar e transar até o final da temporada. Simplesmente lei seca.
Todos percebem o quanto perderam tempo. É a metáfora perfeita para quem desperdiça momentos preciosos de um dia com bobagem. Aí é que a turminha seminua fica louca de vez. O proibido sempre é mais gostoso e você há de concordar.
Me lembrou um vídeo em que a psicanalista Maria Homem diz:
“Não tem desejo sem ter um vazio, sem ter a falta. O tempo todo tem que ter um espaço que me faça querer algo porque a minha posição é de incompletude. Somos seres, de alguma maneira, faltantes. Quanto mais ele não me dá, mais eu sei onde que tá meu objeto do desejo que iria me dar essa completude imaginária, não é? Aí naquele momento que eu não tenho, eu sei o que eu quero”.
Apesar de todas as regras, em questão de horas a turma desse reality passa a formar casais e cultivar ciúmes.
Exemplo. Um cara acaba de beijar uma moça, levanta e vai flertar com outra. Esta, mais cedo, beijou um segundo rapaz. Quando o segundo rapaz passa ao lado do flerte e percebe o chifre a caminho, o primeiro fala: “Vocês são perfeitos, os dois. Vocês formam um belo casal”.
Veja esta outra situ. Um rapaz beija duas garotas de uma vez. Ambas as moças já estavam em microrrelacionamentos com outros rapazes. Por sua vez, os caras descobrem e ficam muito chateados, passam a questionar a fé no próximo. Tudo isso em pouquíssimas horas de convivência. Com o tempo o público descobre estar vendo um criadouro de ciúmes.
Quando os casais começam a ganhar intimidade, passam a se beijar, se masturbar ou transar sem respeito algum com as regras de castidade. E todo dia o cone falante junta a galera para denunciar quem saiu da linha.
O pessoal fica puto das calças porque os colegas estavam no rala e rola, enquanto outros deixaram passar a chance de botar a língua pra jogo. Na reunião de condomínio seguinte, a situação constrangedora normalmente troca de casal. Quem estava reclamando, passa a ser o motivo da briga e quem fez cagada no dia anterior diz que assim ninguém vai ganhar prêmio algum. É uma espécie de sujo falando do mal lavado.
É uma das melhores representações de como as pessoas são. Afinal “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” é um dos ditados populares mais verdadeiros.
A certa altura da temporada, quase todos os casais já estão formados e uma das participantes fica sozinha. Quando ela vislumbra a possibilidade de passar mais uns dias na seca, simplesmente vai embora. É admirável ver uma pessoa tão decidida e pouco se lixando para alguns milhares de dólares.
Outro grande momento é uma dinâmica de grupo dos homens com um coach de relacionamentos. Os rapazes precisavam falar sobre sentimentos de forma verdadeira olhando para seus pênis.
Imagine sujeitos malhados, seminus, numa baita praia, afastando a bermuda, olhando para baixo, falando seus grandes segredos. Sendo gravados pela Netflix. Destaquei três frases desta cena:
“Quero usá-lo para coisas boas e importantes”
“Vou deixar você descansar mais e ter umas noites de folga”
“Eu já te levei a lugares aonde não deveria ter levado”
Alguns detalhes dessa produção chamam atenção: nunca vemos os participantes fazendo refeições e não sabemos se eles comeram arroz, cogumelos ou frango frito no almoço. Melhor, assim nunca perdemos o foco.
Parte do elenco pouco se importa com o dinheiro. Deve ser efeito do Instagram e a chance de vender coisas em troca de milhares de reais quando eles virarem influenciadores.
Como já disse, mas não custa repetir, eles passam o tempo todo usando pouquíssima roupa. Quase nada. Tudo bem, chegamos num ponto em que quanto menos roupa na TV, melhor pra todo mundo.
Por fim, os participantes só falam dos conflitos do próprio programa. Não sabemos se aquelas pessoas são de esquerda, de direita, veganas, religiosas, TikTokers, workaholics, etc. Perfeito, pois não atrapalham o entretenimento puro, em sua plena arte.
***MISTÉRIO DO DIA
Na edição passada da Dia Sim, Dia Não o grande mistério foi: no Brasil, quantas pessoas se chamam Alexa? Pois bem, de acordo com o painel Nomes do Brasil do IGBE, existem 1.493 Alexas por aí.
Agora vamos ao mistério de hoje: Em que dia aconteceu o jogo de futebol Brasil 1 X 7 Alemanha? A resposta eu revelo na próxima edição da Dia Sim, Dia Não.
***DICAS DO DIA: 7 LINKS QUE GUARDEI, UNS EU ABRI, OUTROS NÃO
A internet é movida a dicas e eu que não vou ficar de fora dessa. Hoje trouxe especialmente para você uma lista maravilhosa de links que eu salvei para ler depois.
Alguns eu já li e outros ainda não. Porém, não vou revelar quais foram os lidos e quais seguem na minha fila. Jamais vou influenciar o seu contato com essa enxurrada de conhecimento. Aproveite e faça bom proveito.
1 - Como o rock renasceu, triunfou e morreu de tanto sucesso com o The Strokes - El País
2 - Renan, Matheus e três likes - Coluna do Chico Felitti na Folha de S. Paulo
3 - Entenda a briga entre Zezé di Camargo e Rodrigo Faro, que está agitando a web - F5
4 - Como nasceu o KKKKKKKK da geração Z e por que emoji de risada é coisa de velho - BBC
6 - Britney Spears’s Conservatorship Nightmare - New Yorker
7 - You Really Need to Quit Twitter - The Atlantic
***POR HJ BASTA
Por hoje está suficiente e eu fico por aqui. Se você perdeu outras edições de Dia Sim, Dia Não, tudo bem, leia as antigas como se fossem novas. Segue o conteúdo anexo para conhecimento:
Quem me dera ter os problemas da Olivia Rodrigo
A parte do corpo de Anitta que a alçou de vez ao panteão da contracultura
Uma viagem pelas definições de "cringe", "fds", "molhar o biscoito", "semibissexual"
O que aprendi com "Tem que vigorar!", um dos livros mais vendidos do Brasil